Recensão por: Frederico Cantante.repenserlegalitesdeschances

Savidan, Patrick (2007), Repenser l’Égalité des Chances, Paris, Grasset.

A igualdade de oportunidades depende da capacidade disposicional detida pelo indivíduo para exercer a sua liberdade.

Répenser l’Inégalités des Chances é um ensaio de filosofia política no qual se esboça uma genealogia de conceitos como igualdade, liberdade, justiça, capacidade ou equidade. É a partir da sua discussão que Patrick Savidan situa a emergência histórica do conceito de igualdade de oportunidades e o questiona do ponto de vista teórico, mas também político.

Enformada pelo liberalismo clássico, a Revolução Francesa negou as fundações naturalistas da ordem social, pelas quais o berço determinava o trajecto de vida dos indivíduos. Com a instituição (bastante imperfeita…) da igualdade civil e política perante a lei deu-se como que uma libertação da liberdade individual. Daí em diante, as possibilidades que se abriram aos trajectos sociais iriam depender do talento, do mérito de cada um. Neste sentido, emergiu uma nova lógica de legitimação das desigualdades sociais baseada não no grupo social de pertença, mas no mérito e talento do indivíduo. Segundo o autor, com o advento da democracia moderna, os princípios de hierarquização social foram, portanto, “renaturalizados” (p. 28).

Savidan critica o entendimento formalista liberal e neo-liberal do conceito de igualdade de oportunidades, o qual descontextualiza o livre desenvolvimento da personalidade das condições sociais de existência. Só existe igualdade material de oportunidades quando os indivíduos dispõem de semelhantes possibilidades de escolha. A problemática da igualdade de oportunidades não deve, no entanto, ser equacionada à luz da igualitarização forçada das condições de existência, pois as desigualdades sociais, tal como o próprio Marx admitiu (p. 165), podem ser legítimas, justas. É necessário, isso sim, criar as condições para que essas desigualdades decorram do desenvolvimento de talentos e esforços individuais, e não se assumam, pelo contrário, como reproduções de uma estrutura social assimétrica. Reapropriando o pensamento de Kant acerca da relação entre propriedade, autonomia e cidadania, Savidan destaca a importância da posse individual de recursos qualificacionais, pilar da liberdade de escolha, da possibilidade de realização do talento individual, da capacitação sustentável dos actores:

“Muitos trabalhos demonstram de maneira bastante convincente que é absurdo querer-se opor a igualitarização das oportunidades à igualitarização das condições. O desafio é o de identificar as condições susceptíveis de serem mobilizadas como recursos pelos indivíduos e tornar assim a justiça social numa forma de ‘investimento social’. Detendo esses recursos, os indivíduos deverão poder orientar e planificar os seus esforços em função de um projecto próprio, pelo menos de uma forma intuitiva. Assim o igualitarismo de oportunidades poderá visar atingir o seu objectivo: reduzir ao máximo as desigualdades entre cidadãos em termos de perspectivas de vida ” (p. 298, tradução própria).

A crítica promovida por Savidan ao entendimento naturalista das desigualdades sociais assenta também na problematização da natureza do talento individual. Para além de as capacidades naturais serem socialmente condicionadas e construídas, o seu valor relativo enquanto atributo diferenciador decorre igualmente do modo como o próprio sistema social as qualifica. A cotação do talento produz-se assim segundo uma lógica desindividualizada. Se é a sociedade que diferencia o valor do talento, até que ponto os recursos de cada um podem ser entendidos, de forma absoluta, como propriedade individual? A este nível o autor segue de perto o pensamento de Jonh Rawls, que “desubstancializa a capacidade” (p.268).

Savidan promove, portanto, uma exposição crítica das tensões teóricas existentes entre os conceitos de igualdade e liberdade no quadro do pensamento político e filosófico clássico e moderno, através da qual recupera contributos para a conceptualização da igualdade de oportunidades enquanto capacitação de indivíduos calibrados de forma desigual ao nível dos recursos detidos. O desenho de um conceito de igualdade de oportunidade “pós-capacitário” (p. 318) encerra em si um programa político próximo do providencialismo estatal europeu, elegendo o autor ao longo obra, de forma mais ou menos explícita, a área da educação como campo de intervenção prioritário:

“À representação de um Estado-providência manietado nas suas atitudes e nas suas insuficiências, o igualitarismo de oportunidades contrapõe um objectivo de empowerment social, económico, cultural – e, portanto, político – dos indivíduos na sociedade democrática. O contributo absolutamente crucial desta lógica de empowerment é, contudo, a definição social que esse igualitarismo confere às capacidades, às competências e ao mérito individuais.” (p. 324, tradução própria).

 

Frederico Cantante