Recensão por: Frederico Cantante.

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Observatoire des Inégalités (2008), L’État des Inégalités en France 2009, Paris, Éditions Belin.

Livro inclui uma vasta exposição e interpretação de indicadores estatísticos, mas também um conjunto de pequenos ensaios, relacionados com a problemática das desigualdades sociais.

Observatoire des Inégalités publica pela segunda vez L’État des Inégalités en France, um livro que começa por objectivar estatisticamente um elenco alargado de indicadores de desigualdade social referentes a França, à Europa e ao Mundo e que, posteriormente, apresenta 16 textos de natureza analítica, nos quais se promove uma aproximação crítica à realidade francesa e mundial (último texto).

No que diz respeito à primeira parte do livro, destacam-se a boa arrumação temática e a qualidade gráfica da informação disponibilizada, secundada por breves comentários vocacionados para a sua explicitação. O facto de os indicadores estatísticos se reportarem essencialmente à realidade francesa poderá ser menos interessante para quem se queira inteirar de informação respeitante a outros universos geográficos, nomeadamente a Portugal. Contudo, os últimos dois capítulos desta primeira parte contêm informação estatística relativa à Europa e ao mundo.

Quanto aos ensaios, é nítida a aposta em conteúdos tematicamente diversificados e de pequena dimensão – cinco a sete páginas. Mas o seu registo analítico é também variável. Enquanto alguns dos textos consistem na descrição e problematização de indicadores de desigualdade social, outros têm uma natureza essencialmente teórica. Exemplifiquemos.

Camille Landais debruça a sua análise sobre a evolução das desigualdades de rendimento em França, nomeadamente o maior aumento relativo dos rendimentos das fracções dominantes da classe dominante; Margaret Maruani e Monique Meron denunciam o mito do fim das desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho, aludindo às diferenças remuneratórias entre sexos e à segregação funcional das mulheres, sobretudo as menos qualificadas; Marie Duru-Bellat argumenta que os níveis de desigualdade de literacia tendem a ser superiores nos países mais pobres, nos que registam maiores níveis de segregação social da população escolar e, no que diz respeito aos níveis de literacia da população escolar que frequenta o ensino secundário, nos países em que a orientação vocacional é mais prematura; Noam Léandri situa a sua argumentação no universo das desigualdades étnicas em França, aludindo às taxas de desemprego desproporcionadamente elevadas da população imigrante ou ao facto destes activos exercerem na sua maioria actividades laborais desqualificadas; Thomas Pogge, por seu lado, alarga o âmbito espacial da análise e discute a evolução das desigualdades económicas a nível mundial, criticando a diminuição das ambições dos Objectivos do Milénio para o Desenvolvimento no que toca ao combate à pobreza extrema. O autor refere também que o problema da pobreza mundial, embora seja devastador ao nível das suas consequências, é facilmente resolúvel no plano económico: segundo refere, a ajuda aos 40,0% da população mundial que vivem abaixo da linha de pobreza representa 0,7% do produto mundial, menos de 1% do rendimento nacional bruto combinado dos países mais ricos e menos do que a despesa militar dos Estados Unidos.

Tal como atrás se referiu, neste conjunto de ensaios podem encontrar-se também textos de cariz vincadamente teórico. Por exemplo, Christophe Ramaux procura criar uma tipologia de modos de conceptualização da precariedade laboral; Alain Bihr e Roland Pfefferkorn defendem que a sociedade francesa é segmentada, hierarquizada e conflitual, pelo que a variável classe social mantém a sua pertinência enquanto instrumento de análise; defendem também que a sua articulação com outros dispositivos conceptuais, tais como o género ou a etnia, potenciam a capacidade interpretativa e explicativa do olhar sociológico.

Por último, uma referência ao texto “Quand l’ascenseur descend”, de Camille Peugny, no qual é aflorada uma problemática muito pouco estudada em Portugal: a mobilidade social descendente. Segundo o autor, o risco de mobilidade social descendente entre os quadros superiores varia consoante a solidez histórica do perfil social das suas famílias de origem. Neste sentido, quanto mais antigo for o posicionamento familiar no topo da hierarquia social menor é a probabilidade de um seu descendente conhecer uma experiência de despromoção social, e vice-versa. Por outro lado, a forma como este tipo de processo é sentido pelo indivíduo tende também a variar de acordo com a história social da linhagem familiar: entre os que provêm de famílias que acederam recentemente aos lugares dominantes da hierarquia social, o impacto da despromoção social é menor do que no caso dos descendentes de linhagens que se posicionam no topo da hierarquia social há várias gerações, pois enquanto no caso daqueles dá-se como que um “regresso às origens”, estes entendem a mobilidade social descendente como uma vergonha social que nega o passado e as expectativas familiares.

Frederico Cantante