Recensão por: Inês Baptista.

FD

Diogo, Fernando (2008), Pobreza, Trabalho, Identidade, Oeiras, Celta Editora. 

É desenvolvido um esforço analítico no sentido de perceber os impactos de inserções profissionais precárias e pouco compensadoras do ponto de vista remuneratório na construção das identidades sociais. Apresentam-se os resultados de um estudo, realizado em S. Miguel, Açores, que analisou o efeito do Rendimento Mínimo Garantido (actual Rendimento Social de Inserção) na relação que os beneficiários do sexo masculino mantêm com o mundo do trabalho.

O estudo realizado por Fernando Diogo tem como objectivo principal a análise das relações entre trabalho, identidade e pobreza no seio dos beneficiários do Rendimento Mínimo Garantido (RMG). A problemática da (re)construção das identidades sociais, nomeadamente as tensões identitárias que se estabelecem em situações de pobreza, bem como a influência da posição ocupada no mercado de trabalho na definição dessas mesmas identidades, são centrais nesta obra. Num primeiro momento, o autor promove uma discussão teórica em torno dos conceitos de identidade social, tensão identitária, pobreza e trabalho. Posteriormente, são analisados os resultados empíricos da investigação. Neste ponto, faz-se uma focagem sobre as representações dos beneficiários do RMG acerca desta política social, descreve-se a posição relativa por eles ocupada no mercado de trabalho e analisa-se o papel desta prestação pecuniária na construção da sua identidade social.

No plano da discussão teórica e conceptual o autor debruça-se sobre a problemática da tensão identitária. O objectivo primacial da pesquisa passa pela compreensão dos elementos constitutivos desse fenómeno e pela gestão que os indivíduos fazem deste tipo de processos. Por ser um vector decisivo na construção das identidades sociais, a posição ocupada no mercado de trabalho assume-se como um factor estruturante das tensões identitárias sentidas pelos indivíduos.

Quanto aos resultados empíricos, são apresentados os perfis dos beneficiários (que incluem a profissão, as qualificações e o tipo de contrato de trabalho), esboçado o “beneficiário ideal” a partir dos parâmetros legais que enformam esta política social, definidos tipos de estratégias identitárias e apresentadas representações acerca do RMG.
O perfil dos beneficiários (do sexo masculino) residentes em S. Miguel tem como características marcantes a escassez de rendimentos e qualificações (que se situam, em média, entre o 4º e o 6º ano de escolaridade), o desempenho de profissões coincidentes com estas características estruturais (por exemplo serventes da construção civil ou cantoneiros) e a pertença ao “mercado de trabalho secundário” – que se caracteriza pelas fracas qualificações dos trabalhadores e pela precarização do emprego. De facto, o tipo de contrato designado pelo autor como “trabalho ao dia” é o mais comum, revelando a clandestinidade e precariedade laboral dos entrevistados.

Segundo a definição oficial, o “beneficiário ideal” é aquele cujo rendimento familiar per capita é menor do que o mínimo definido pela lei, que o classifica como pobre e prevê a prestação de apoio económico temporário. Como contrapartida a esta prestação, o beneficiário é obrigado a realizar acções de formação ou a procurar uma inserção profissional que potenciem a autonomização face ao apoio pecuniário estatal.

Fernando Diogo destaca que quanto à questão da autonomização, regista-se uma forte clivagem entre o preconizado pela legislação e os discursos dos entrevistados, que desconhecem quase totalmente a vertente de (re)inserção prevista na medida. Para o autor, a reinserção social dos beneficiários é dificultada pelo desconhecimento desta dimensão da política social em causa, mas também pelo facto do estatuto de beneficiário ter fortes implicações no modo como este é socialmente categorizado (pobre, dependente do Estado…).

As estratégias identitárias mais frequentemente mobilizadas pelos beneficiários são as de defesa e resistência face às imposições identitárias provenientes do exterior, à forma como são classificados pelos demais indivíduos, que os entrevistados não consideram adequada(s) à sua situação particular. A família é a âncora da sua identidade e espaço de investimento identitário. É este investimento que reduz as tensões identitárias: o facto de o trabalho ser um instrumento insuficiente para apoiar e sustentar a família legitima o estatuto de beneficiário do RMG.

A representação dominante é então a de que quem não canaliza este apoio social para a instituição familiar o despende erradamente. Instrumento essencial para fazer face às necessidades familiares quotidianas mais básicas, o RMG não é considerado uma forma directa de obtenção de emprego.

Conclui-se que a situação social destes beneficiários se caracteriza pela escassez geral de recursos e instabilidade laboral, num ciclo de pobreza geracionalmente reproduzido que propicia a construção de identidades sociais negativas.

Inês Baptista