Recensão por: Inês Baptista.
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Dorival, Camille e Louis Maurin (coords.), Les inégalités en France. Alternatives Economiques, Hors-série poche nº 43 (Março 2010). 

A publicação, em formato de revista, aborda as dimensões fulcrais das desigualdades sociais em França e propõe algumas linhas de acção para o combate a este fenómeno.

O Observatoire des Inégalites, em colaboração com o grupo MACIF e France Inter reuniu um conjunto de dados estatísticos e contributos de vários autores com o objectivo de traçar um panorama do fenómeno das desigualdades sociais em França, num número especial da revista Alternatives Economiques. É de destacar a forte aposta na apresentação gráfica dos dados utilizados e o recurso a ilustrações caricaturais dos traços mais marcantes das desigualdades sociais neste país. Por outro lado, a partir da análise dos dados seleccionados, que resultam do trabalho sistemático do Observatoire des inégalites, esta publicação procura também contribuir para a identificação das “alavancas” que permitam reduzir as desigualdades.

Tal como é referido no editorial, a informação acerca das desigualdades sociais, embora escassa e fracamente difundida, é fundamental para uma reflexão sistemática acerca dos efeitos das políticas públicas neste domínio, bem como para o estabelecimento de um debate alargado, sério e de qualidade. O crescimento contínuo das desigualdades sociais é uma realidade em França, país profundamente marcado por disparidades entre meios sociais, gerações, sexo e origem étnica. Assim, em sete capítulos são apresentadas, de forma complementar, análises de dados estatísticos, entrevistas, textos de opinião e análise de diversos autores sobre domínios fulcrais de ocorrência do fenómeno das desigualdades.

O primeiro capítulo apresenta uma análise geral das desigualdades sociais em França, salientando o peso, bastante significativo, das origens sociais nas trajectórias dos indivíduos. Os restantes capítulos abordam os domínios dos rendimentos, educação, emprego, acesso à sociedade de consumo, categorias sociais mais afectadas pelas desigualdades, disparidades territoriais e, em tom de conclusão, pistas para agir no combate a este fenómeno.

No que respeita aos rendimentos, e apesar do progresso global dos níveis de vida da população francesa, as desigualdades têm vindo a aumentar. Por exemplo, o salário de um trabalhador pertencente aos 5% mais ricos aumentou, em média, entre 1997 e 2007, mais 3 500 euros do que o salário auferido por um trabalhador situado no conjunto dos 10% mais pobres, o que se traduz num aprofundamento do fosso já existente entre estes grupos de indivíduos. Quando se analisam os dados referentes ao património, ou seja os bens imobiliários, financeiros e profissionais (estes últimos entendidos como o património obtido a partir da detenção parcial ou total de uma empresa), verifica-se um agravamento das desigualdades face ao registado nos salários. Os autores destacam que a análise dos patrimónios permite aferir a transmissão das disparidades entre gerações, isto é, os bens que os agregados conseguem, ou não, transmitir aos seus descendentes ou outros membros da família. Assim, por exemplo, o património dos quadros superiores é cerca de 21 vezes mais elevado do que o dos operários não qualificados. Ainda no capítulo respeitante aos rendimentos é dado especial ênfase à existência, em 2007, de 8 milhões de pobres (limiar de pobreza calculado enquanto 60% do nível de vida mediano) e de 6 milhões de beneficiários de pelos menos uma prestação social.

O peso do meio social de origem é particularmente notório nos trajectos escolares e acentua-se ao longo dos níveis de escolaridade. De facto, a proporção de alunos provenientes de origens sociais mais desfavorecidas diminui à medida que se avança nos anos de escolaridade, assistindo-se à sua progressiva “eliminação” do sistema de ensino. No que respeita à formação profissional, o meio social representa igualmente um papel importante: mais de metade dos quadros participa neste tipo de acções de educação e formação, face a pouco mais de um terço dos operários que regista as mesmas práticas. Por outro lado, em 2007, 30% da população não detinha qualquer diploma ou certificado de estudos.

No capítulo dedicado ao mercado de trabalho é dado especial destaque ao aumento do desemprego ao longo do último ano, afectando principalmente os mais jovens, as mulheres, os estrangeiros e os menos qualificados. Por outro lado, enquanto perto de 13% dos trabalhadores estão em situação precária (trabalhos temporários, contratos a termo, estágios e outras situações semelhantes), 3,7 milhões, ou seja 15% da população activa francesa, auferem um salário abaixo do limiar de pobreza.

O quinto capítulo aborda os modos de vida e o acesso à sociedade de consumo. Aqui são analisadas as condições das habitações, o acesso às novas tecnologias, aos cuidados de saúde, ao usufruto de serviços domiciliários, a férias e a consumos culturais. Estima-se que, em 2009, 100 mil pessoas eram sem-abrigo e 2 milhões viviam em habitações sem conforto ou sobrelotadas. O acesso às novas tecnologias, apesar de mais alargado, é ainda fortemente desigual: os quadros superiores e os jovens são os que mais acedem, por oposição ao que se regista entre os idosos e os indivíduos de meios sociais populares. Também os dados respeitantes à possibilidade de contratação de serviços domiciliários, ao acesso a férias e à cultura revelam significativas disparidades sociais. Na saúde, para além das disparidades no acesso aos cuidados e seguros, também a obesidade têm incidências diferenciadas consoante o meio social, afectando principalmente as categorias mais desfavorecidas.

O sexto capítulo apresenta informação acerca das populações mais vulneráveis no que respeita às desigualdades sociais: mulheres, jovens, imigrantes e estrangeiros, pessoas com deficiência/incapacidade e indivíduos com orientações sexuais minoritárias. É também debatida a questão da mobilidade social, com especial relevo para o abrandamento e estagnação do “elevador social” e para o sentido descendente das trajectórias de mobilidade das camadas mais jovens da população.

O tema das disparidades territoriais encerra os capítulos de análise e debate acerca do fenómeno das desigualdades sociais em França. É traçado um perfil de “fracturas” territoriais significativas, com as regiões do Norte e Sul do país a situarem-se nas posições mais desfavorecidas no que respeita à distribuição de rendimento.

Por fim, no último capítulo, intitulado “agir contra as desigualdades”, cinco autores propõem pistas para o combate a este fenómeno. É referida, de forma mais premente, a promoção da igualdade de oportunidades através da acção em quatro domínios: nas escolas; na forma de redistribuição dos recursos; no reforço dos serviços públicos e de protecção social e na luta contra a discriminação.

Inês Baptista

Publicado originalmente em Observatório das Desigualdades, 2010