Recensão por: Pedro Candeias.
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Machado, Fernando Luís, Cristina Roldão e Alexandre Silva (2011), Vidas Plurais. Estratégias de Integração de Imigrantes Africanos em Portugal, Lisboa, Tinta-da-China.

Através de vinte histórias de vida de imigrantes africanos é demonstrada a diversidade interna de um grupo comummente tomado como homogéneo.
Da autoria de Fernando Luís Machado, Cristina Roldão e Alexandre Silva, este livro tem como objetivo compreender como é que imigrantes com origem na África Subsariana lidam com a sociedade portuguesa. Para tal foram recolhidas vinte histórias de vida de habitantes de alguns bairros no distrito de Lisboa. Cada história de vida conjuga as trajetórias migratórias, laborais, residenciais, escolares e familiares dos imigrantes. A pesquisa é norteada pelo conceito de “estratégias de integração”.

O livro encontra-se dividido em onze secções. A primeira define o conceito de estratégias de integração. No segundo capítulo é contextualizada a migração africana para Portugal. Na terceira parte é caracterizada a amostra. Entre os capítulos quatro e nove são apresentados seis tipos de estratégias de integração, sendo identificados, para cada um, os fatores facilitadores e dificultadores da integração na sociedade de acolhimento. Cada um destes capítulos é finalizado com uma reflexão sobre o futuro da situação dos imigrantes. No décimo capítulo são identificadas algumas características transversais a todos os tipos de integração de imigrantes Africanos em Portugal. Finaliza-se com uma exposição de retratos sociológicos dos vinte entrevistados.

Em termos teóricos a obra é perpassada pelo conceito de estratégias de integração, definido como “os modos como eles [os imigrantes] lidam com as sociedades de acolhimento, como se ajustam a essas sociedades, tendo em conta, por um lado, as circunstâncias com que se deparam, e que não dependem deles, e, por outro lado, as suas decisões e acções individuais e familiares”(p.47). Estas estratégias de integração dizem respeito, em grande parte, a estratégias de inserção profissional. O conceito assenta tanto em pressupostos de ordem estruturalista (quando refere as condições estruturais que favorecem ou dificultam a aplicação das estratégias), como nas perspetivas mais focadas nos “padrões de ação individual” (p.141) – quando apontam as opções tomadas pelos imigrantes.

A nível empírico foram entrevistados vinte imigrantes residentes em três bairros: Tapada das Mercês em Sintra; Alta de Lisboa e Ameixoeira em Lisboa. Foi tido em conta, na seleção da amostra, que os casos fossem diversificados em termos de sexo, idade, duração da sedimentação em Portugal, naturalidade, nacionalidade, escolaridade, condição perante o trabalho, profissão e situação na profissão. Com base nestas histórias de vida foi criada uma tipologia de estratégias de integração: 1)empreendedorismo – situações de trabalho por conta própria ou microempresas no setor do comércio e serviços; 2) trabalho manual qualificado – refere-se à existência de competências profissionais específicas que permitem uma integração em trabalhos ligeiramente mais qualificados, mais estáveis e mais bem remunerados que aqueles em que se encontra a maior parte dos imigrantes com a mesma origem (mecânicos, eletricistas, carpinteiros, cozinheiras, etc); 3) escolarização e formação profissional – remete para o investimento na escolaridade e/ou formação profissional; 4) associativismo e mediação intercultural – refere-se ao grupo dos profissionais de intervenção social com origem imigrante (mediadores interculturais, animadores socio-culturais, dirigente e técnicos de ONG ou associações); 5) gestão da escassez – classifica as situações de imigrantes com parcos recursos financeiros, escolares e profissionais em que é exigida uma gestão parcimoniosa dos recursos financeiros; 6) dependência – imigrantes que não sabem ler ou escrever, ou que se encontram incapacitados de trabalhar, ficando assim dependentes de instituições estatais, de instituições de solidariedade social ou de familiares para subsistir.

Embora exista já um acumulado considerável de estudos centrados na imigração africana em Portugal (especialmente dos PALOP), este estudo diferencia-se dos restantes por dois motivos. Primeiro pela metodologia das histórias de vida. Esta abordagem qualitativa permite uma imagem mais diversificada dos contextos de inserção profissional da população imigrante, escapando à perspetiva, por vezes homogeneizadora, das maiorias estatísticas. O segundo ponto de originalidade deste livro é ser ilustrado por fotos de Lucas Moura, que captam o quotidiano dos imigrantes entrevistados através da imagem. O livro encontra-se redigido de forma a ser acessível a um público não exclusivamente académico. Contudo, cada capítulo referente aos tipos de integração apresenta uma breve contextualização analítica da temática tratada, sendo efetuadas quase sempre referências a estudos portugueses recentes.

Com este livro é possível perceber que os imigrantes africanos em Portugal são um grupo relativamente heterogéneo entre si, com alguma desigualdade interna. Este livro demonstra também que a condição de imigrante pode funcionar como um fator potenciador de desigualdades sociais face à população autóctone, mas também como algo que em algumas circunstâncias favorece, do ponto de vista económico e laboral, esta população. Em qualquer das seis estratégias, o sucesso ou insucesso da integração dos imigrantes resulta de uma combinação de fatores estuturais com ações individuais. Existem condicionantes estruturais que remetem tanto para características da sociedade de acolhimento como para características do país de origem. Mas as características e decisões dos imigrantes podem também ter influência positiva ou negativa na sua integração.

Pedro Candeias
Publicado originalmente em Observatório das Desigualdades, 2012