EduGlance
Por: Patrícia Santos e Pedro Candeias

Os indicadores produzidos pelo Education at a Glance constituem um material importantíssimo para retratar a realidade educativa dos países da OCDE e outros países parceiros (nesta edição: Brasil, Rússia, Argentina, China, Colômbia, Índia, Indonésia, Letónia, Arábia Saudita e África do Sul). Revelam, ainda, a posição de Portugal em várias dimensões em particular, permitindo retirar ilações sobre a equidade do sistema nacional de ensino.

A edição de 2014 traz-nos uma surpresa: relaciona os dados com indicadores de outros programas da OCDE – Programme for the International Assessment of Adult Competencies (PIAAC, 2012), Teaching and Learning International Survey (TALIS, 2013) e Program for International Student Assessment (PISA, 2012). São articulações deveras úteis para analisar as desigualdades sociais na educação e as suas repercussões.

Uma análise genérica mostra-nos que o acesso à educação continua a expandir-se nos países da OCDE, o que significa um aumento significativo dos níveis de escolaridade das populações. Três quartos da população têm pelo menos o ensino secundário. Desde 2000, as taxas de graduação do ensino secundário aumentaram uma média de 8% entre os países da OCDE, o que se traduz também numa menor taxa de abandono escolar precoce. Em Portugal, o Programa “Novas Oportunidades” elevou tais taxas em mais de 40% entre 2008 e 2010. Em média, as taxas de graduação para as mulheres (87%) são mais elevadas que para os homens (81%).

Interessa aprofundar os casos de alguns níveis de escolaridade para melhor compreender a diferenciação interna existente no sistema de ensino português.

O primeiro caso que merece destaque é o ensino pré-escolar. Durante os anos 1970 e 1980, alguns países da OCDE implementaram mudanças nas suas políticas públicas, atribuindo maior importância à educação pré-escolar. Em parte, estas mudanças ocorreram para dar resposta à maior participação das mulheres no mercado de trabalho. A educação pré-escolar tem-se revelado importante para os subsequentes resultados escolares. De acordo com dados do PISA, jovens de 15 anos que tenham frequentado pelo menos um ano no ensino pré-escolar, conseguem obter melhores resultados nos seus scores, quando controlado o efeito de variáveis socioeconómicas. Deste modo, o acesso generalizado à educação pré-escolar é importante para atenuar as desigualdades sociais. Em países em que o ensino pré-primário não é dotado da qualidade necessária, os pais (que têm possibilidades para tal) tendem a procurar respostas no setor privado – o que implica um incremento nas despesas destas famílias. Em países em que a oferta pública é limitada, mas não existe possibilidade económica para procurar respostas no mercado privado, os pais vêm-se compelidos a procurarem respostas de cariz informal junto da família, amigos ou vizinhos.

Na análise do acesso a serviços de ensino pré-escolar, os dados gerais apontam para um incremento da sua abrangência. A posição de Portugal no contexto da OCDE localiza-a acima da média e com valores crescentes entre 2005 e 2012 (Figura 1). A este respeito, serão de ter em consideração três pontos. 1) Estes resultados poderão estar em parte relacionados com a proporção relativamente elevada de mulheres no mercado de trabalho em Portugal; 2) Se esta maior abrangência do ensino pré-primário em Portugal não for acompanhada de melhor qualidade, não se verificarão resultados positivos a posteriori; 3) Com o aumento do desemprego em Portugal, haverá um maior número de mulheres desempregadas e possivelmente uma maior contenção de despesas, o que poderá desencadear uma menor procura pelo ensino pré-escolar, que poderá implicar um recrudescimento das desigualdades sociais.

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Nas últimas décadas, o acesso ao ensino superior também se expandiu notavelmente. Ao longo dos últimos 17 anos, as taxas de graduação subiram 22% nos países da OCDE. Em paralelo, os alunos estão a tornar-se cada vez mais heterogéneos em termos de faixas etárias e género. Pela primeira vez, em 2012, cerca de um em cada três adultos nos países da OCDE atingiu uma qualificação de nível superior: a proporção de adultos com 55-64 anos com ensino superior chegou a 25%. Os dados ainda mostram que o crescimento do ensino superior tem sido particularmente forte para mulheres em vários países da OCDE. Em 2012, em média, 34% das mulheres tinha alcançado o “canudo” em comparação com 31% dos homens. A geração dos jovens adultos tem estimulado essa mudança.

Elevadas taxas de ingressos no ensino superior podem ser associadas à aquisição de técnicas e conhecimento que permite a consolidação de uma economia baseada no conhecimento e na inovação. Portugal encontra-se um pouco acima dos níveis médios da OCDE neste indicador. É de ter em conta que algumas das entradas no sistema de ensino superior podem também ser resultado de uma estratégia de adiamento da entrada no mercado de trabalho. Porém, nos anos mais recentes as entradas no ensino superior têm vindo a diminuir, provavelmente por efeito conjugado de carências económicas, dificuldades de emprego e um discurso desvalorizador da formação superior por parte de alguns setores de opinião.

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Uma segunda faceta do ensino superior que merece destaque é o intercâmbio de alunos. O intercâmbio de alunos de ensino superior tem impactos positivos, permite aos alunos estudar em universidades de prestígio, melhor compreenderem fenómenos do mundo como a língua, a cultura, ou os métodos de trabalho, para além de os introduzir no mercado de trabalho internacional. Permite também aos alunos estudarem em instituições de prestígio. Em alguns países, existem incentivos governamentais para os alunos desenvolverem os seus estudos em áreas específicas, que sejam consideradas estratégicas para o país. No caso dos países de destino, o intercâmbio permite que instituições de acolhimento de pequena dimensão possam otimizar a sua relação custo-benefício acolhendo mais alunos, bem com se tornar um meio de atrair profissionais altamente qualificados.

O contexto atual pode implicar uma retração na mobilidade dos estudantes devido à diminuição das verbas atribuídas para bolsas e outros incentivos. Por outro lado, também pode incentivar a saída como forma de obter melhores qualificações e ganhar vantagem no mercado de trabalho. As escolhas dos cursos obtidos no exterior dependem por um lado da falta de oferta na origem, mas também da qualidade da oferta no destino ou de melhores oferta de trabalho em áreas específicas. Um dos principais fatores na escolha dos países de destino é a língua em que as aulas são ministradas, havendo uma preferência pelo inglês, mas também pelo francês, alemão, russo e espanhol. A escolha de países com língua inglesa acaba por ser também uma estratégia dos estudantes para melhorarem as suas competências em inglês. Um segundo critério também é o preço das propinas (ou mesmo a gratuidade das mesmas).

Portugal também se apresenta como um país de preferência pelo fator língua, em que se destacam os alunos oriundos de países lusófonos. Contudo, este quantitativo escapa às estatísticas recolhidas pela OCDE.

Tudo isto sugere uma mobilidade ascendente e oportunidades interessantes. No entanto, este notável progresso continua a ser acompanhado por evidentes desigualdades que condicionam a equidade dos sistemas de ensino nos países da OCDE.

O nível de escolaridade das famílias ainda tem uma influência gritante no nível de escolaridade de jovens e adultos. Neste relatório verifica-se, por exemplo, que mais de 30% dos adultos cujos pais não têm o ensino secundário não terminou os seus estudos antes de completar o ensino secundário. Já a probabilidade de ser um estudante no ensino superior é 4,5 vezes maior se os pais têm o ensino superior. Isto significa que muitas famílias permanecem excluídas da possibilidade de mobilidade educacional entre gerações. Por outro lado, o nível de escolaridade dos pais também parece ter um efeito sobre a literacia e numeracia dos alunos. Em média, a maioria das pessoas com maiores níveis de literacia e numeracia, medidos pelo PIAAC, são de famílias onde pelo menos um dos pais tem o ensino universitário (45% no Nível 3 e mais de 20% no Nível 4 ou 5).

Num mercado de trabalho em rápida mudança, a exigência de qualificações de nível superior tem crescido e os indivíduos com níveis mais baixos de qualificações têm ficado ainda mais vulneráveis. Por um lado, as economias dos países da OCDE dependem da oferta de trabalhadores altamente qualificados para o crescimento económico e os mercados de trabalho recompensam-nos. Assim, em média, mais de 80% dos adultos com ensino superior está empregado em comparação com menos de 60% das pessoas com o ensino básico. Também níveis de proficiência mais elevados estão associados a taxas de emprego mais elevadas em quase todos os países: 87% das pessoas no Nível 4 ou 5 estão empregadas. Assim, os dados do PIAAC mostram que quanto mais baixo o nível de proficiência, maiores as taxas de desemprego e inatividade.

Por outro lado, a diferença de retornos entre os trabalhadores de baixa e alta qualificação tem vindo a crescer, aprofundando divisões socioeconómicas na chamada sociedade de conhecimento. Os dados mostram que os níveis mais elevados de escolarização geralmente se traduzem em melhores salários. Em todos os países da OCDE, os adultos com nível superior ou pós-graduado ganham cerca de 70% mais do que aqueles com qualificações mais baixas. Enquanto os ganhos relativos de indivíduos com maior nível de escolaridade tendem a aumentar com a idade, os ganhos relativos de pessoas abaixo do ensino secundário tendem a diminuir. Também parece ser assim para os níveis de competências. Em média, um indivíduo de Nível 4 ou 5 ganha cerca de 65% mais do que um indivíduo no Nível 1.

As diferenças de género no mercado de trabalho também persistem. Apenas 65% das mulheres estão empregadas em comparação com 80% dos homens. A diferença de género é de cerca de 20% entre homens e mulheres com ensino secundário. Embora a diferença diminua à medida que aumentam as habilitações escolares, a taxa de emprego entre as mulheres com ensino superior nos países da OCDE é também consideravelmente menor do que a de homens – apesar destas, em 2012, estarem ligeiramente mais representadas no ensino superior. Já em termos de disparidades nos rendimentos, a mais reveladora é entre os trabalhadores com ensino superior. Em todos os países da OCDE, uma mulher com ensino superior recebe cerca de 75% do rendimento de um homem com o mesmo nível de habilitações.

Neste contexto, ainda não se pode falar de equidade na generalidade dos sistemas de ensino. Pode-se, sim, dizer que a crise económica tem vindo a reforçar as desigualdades. Tal assunto é objeto de atenção deste relatório. Os dados evidenciam que, entre 2009 e 2011, o grau de investimento na educação foi afetado pela crise financeira em quase um terço dos países, resultando numa diminuição das despesas por aluno. No caso de Portugal o custo por aluno diminuiu em 19% no nível secundário, devendo-se em muito ao aumento significativo do tamanho das turmas. Tal evidência pode levar a considerações sobre a qualidade do ensino.

Também a despesa pública dedicada ao ensino superior diminuiu de 73,7% em 2000, para 68,3% em 2011. Esta tendência é acompanhada, em alguns países, por um significativo aumento dos fundos privados, sobretudo provenientes das propinas cobradas aos alunos. Entre 2000 e 2011, a proporção de financiamento privado para o ensino superior aumentou em Portugal mais de 9%, sobretudo devido a aumentos desta natureza. Como sabemos, as propinas podem restringir o acesso ao ensino superior, especialmente para estudantes de baixo rendimento, na ausência de um forte sistema de apoio.

É nesse sentido que vale a pena analisar a situação do ensino privado e público, uma vez que estas diferenças poderão reforçar as desigualdades sociais existentes. Em 2012, apenas cerca de 3% dos alunos do ensino primário ou secundário frequentaram escolas privadas. Os valores são mais elevados para o ensino pré-primário (11%).

Portugal encontra-se acima da média dos valores da OCDE no que respeita à relação entre alunos inscritos no ensino público e no ensino privado. Contudo, estes dados não permitem perceber se tal rácio favorável à escola pública se deve a uma melhor oferta no sector público português ou a falta de liquidez financeira das famílias para investir num sistema de ensino privado.

Sabemos que alunos que frequentem escolas privadas tendem a obter melhores resultados nos testes de literacia do PISA. Nesse sentido, deverá ser tido em conta que os melhores resultados obtidos pela escola privada em alguns escalões, juntamente com a limitação do acesso às famílias de menores recursos, implicarão uma reprodução nas desigualdades sociais. Quando se circunscreve a análise ao ensino secundário, mais de 10% dos alunos portugueses frequentam escolas privadas. Este acesso, ao se encontrar limitado à capacidade socioeconómica dos pais, levará a uma maior seletividade no acesso a alguns cursos de nível superior.

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A este respeito, vale ainda a pena apresentar os dados referentes à transição da escola para o emprego, ou, mais preocupante, a ausência dessa transição. Com a crise económica, a proporção de jovens com idade entre os 15 e os 29 desempregados que não se encontram a estudar (cunhada como a geração nem-nem) decresceu de 41% em 2008 para 36% em 2012 para a média dos países da OCDE. Este grupo é o primeiro a encontrar dificuldades com a deterioração do mercado de trabalho.

Fig4_EduGlance_2014

Portugal ocupa uma posição acima da média europeia na percentagem de população nem-nem: 11º lugar, tendo este valor crescido 1,3% entre 2011 e 2012. Para além desta posição, é necessário ter em conta que estes dados não informam sobre as respostas sociais existentes face a estas situações, nem sequer o carácter compulsório ou optativo dessa situação.

É provável que a crise tenha resultado em outras mudanças (negativas…) no acesso e sucesso, e consequentemente na equidade, que os dados disponíveis até 2011 podem ainda não revelar. Mas, depois deste balanço, vale a pena finalizar reforçando as evidências do papel crucial da educação para o desenvolvimento inclusivo proclamado pela OCDE. Como já foi possível constatar pelo descrito, em termos individuais, os níveis mais altos de escolaridade, tal como mais altas capacidades de literacia e numeracia, estão associados a taxas de emprego mais elevadas e são percebidos como uma porta de entrada para melhores oportunidades de trabalho e rendimentos relativos mais altos. Mas os níveis de escolarização de uma população traduzem-se ainda em custos ou benefícios de longo prazo para a sociedade em áreas como as da saúde, desemprego e segurança. Os níveis de confiança interpessoal, a participação em acções de voluntariado, bem como a crença na participação política, aumentam com o aumento dos níveis de escolaridade e de competências. A sociedade também beneficia de uma grande proporção de indivíduos com ensino superior através de uma maior arrecadação de impostos e redução das despesas públicas em programas de assistência social. Em média, os benefícios públicos são bastante maiores que os custos públicos globais do ensino secundário e do ensino superior, tanto para homens como para mulheres.

Patrícia Santos e Pedro Candeias